domingo, 16 de março de 2014

Futebol total

Quando comparado a Portugal, o futebol na Tailândia não é o grande passatempo do país.
Não há jornais desportivos com páginas cheias de novas contratações que nunca chegam a acontecer e discursos envenenados contra o clube rival, nem há discussões ao almoço sobre o golo em fora de jogo ou o penalti por marcar.

Mas o futebol não deixa de estar presente um pouco por todo lado, principalmente na publicidade, com fachadas de arranha-céus decoradas com a equipa do Chelsea ou outdoors com a carrinha pickup favorita do Cristiano Ronaldo. Os jogadores tailandeses por norma não entram nestas contas, tirando Dangda (mas já lá vamos). Quando se pergunta a um tailandês qual a sua equipa favorita, a resposta costuma ser Liverpool ou Manchester Utd:
- "Então e clubes tailandeses?"
- "Hmmm, não vejo muito futebol tailandês, mas o Buriram é muito forte!"
- "Gostas do Buriram então..."
- "Nem por isso, gosto mesmo é do Liverpool. Também gosto do Barcelona!"
É um pouco aquele sentimento de indiferença pelo clube da terra porque "eu sou é do Benfica!", mas levado à escala global.

A grande maioria dos clubes tailandeses são controlados por grandes empresas ou magnatas que tomam decisões importantes na sua gestão, sendo muito mais do que o mero patrocinador principal. Financiam a construção de infraestruturas, escolhem os jogadores do plantel, definem as cores do clube, o símbolo e até o nome ou a cidade onde jogam. As grandes quantias de dinheiro injectadas nestes clubes pelas empresas/magnatas que os controlam mudaram o panorama do futebol tailandês nos últimos 5 anos, aparecendo novos clubes dominadores na Liga. Dos 20 clubes que participam na TPL (Thailand Premier League), apenas 6 foram fundados há mais 20 anos. Os clubes "históricos" estão ligados a organizações representativas do estado: Polícia, Exército, Marinha, Empresas públicas ou Universidades - que hoje em dia não têm capacidade para acompanhar o desenvolvimento do futebol tailandês. Outros antigos campeões tailandeses estiveram ligados à Banca, que após a crise financeira de 1997 foram progressivamente retirando apoios aos clubes, acabando por vende-los a outras empresas (Bangkok Glass) ou dissolve-los.

Apesar de os clubes serem relativamente recentes, a TPL tem gozado de crescente popularidade, com mais adeptos e capaz de atrair jogadores e treinadores com algum nome e experiência nas melhores ligas europeias como Robbie Fowler (já retirado), Jay Bothroyd, Jay Simpson, Carmelo Gonzalez, ou os nossos conhecidos Edivaldo "Bolívia" (Naval), Roland Linz (Boavista, Braga e Belenenses), Leandro Tatu (jogou em 6 clubes em Portugal) Zezinando (Sporting, Estrela Amadora), Makukula (Marítimo, Benfica, Setúbal) e Rui Bento (actual treinador do Bangkok Utd).
No entanto, a estrela maior da TPL é sem dúvida Teerasil Dangda, avançado móvel do Muangthong Utd, com uma estampa física invulgar para um tailandês, extremamente rápido e de muito boa técnica. Dangda (ou "Mui", como os tailandeses o apelidam) é um herói nacional que rivaliza com Messi nos billboards de Bangkok e na publicidade televisiva. Nos últimos meses fez estágios no Atlético Madrid e tudo apontava que fosse assinar no mercado de Inverno, antes do início da TPL 2014. No entanto o prazo fechou e não houve negócio. Uns dias mais tarde é anunciado um acordo de empréstimo que levará Dangda para o Almeria (actual 18º lugar na Liga espanhola) válido para a temporada 2014-15, continuando a jogar no Muangthong até se iniciar a pré-época em Espanha. O acordo teve um impacto tão grande nos adeptos tailandeses, que o Almeria mandou fazer equipamentos desta época com o nome de Dangda nas costas, para vender na loja do Muangthong Utd e que esgotaram completamente na 1ª jornada do campeonato tailandês a 22 de Fevereiro.


É nos estádios que se consegue sentir realmente a paixão pelo futebol que os tailandeses têm. Com estádios a rondar os 15.000 a 25.000 espectadores, os clubes tailandeses são capazes de preencher uma grande parte dos mesmos a cada jogo, mobilizar algumas centenas de adeptos para assistir aos jogos fora e ter Ultras fervorosos. O ambiente a cada jogo é muito animado, com as pessoas a chegarem 2 horas antes e a entreterem-se a conviver pelo meio de umas espetadas e cervejolas, enquanto o espectáculo não começa. Adeptos das equipas adversárias passeiam, sem qualquer tipo de receio, pelo complexo que rodeia o estádio, misturando-se com os da equipa da casa. Crianças correm por todo lado, vestidas a rigor, trocando as cervejas por pirolitos e gasosas, e as espetadas por pipocas e guloseimas. Ir ao futebol é uma actividade familiar que alberga várias gerações, do bebé de colo ao avô, e onde as mulheres participam tanto ou mais que os homens.


Ajuda o facto de os bilhetes também serem relativamente baratos em comparação com o nível de vida dos tailandeses. Para ver um jogo do Muangthong Utd, o preço varia entre os 2,5€ e os 4,5€ para um salário médio mensal de 500€, e um bilhete de época para todos os jogos em casa (liga, taça, taça da liga e liga dos campeões - cerca de 25 a 30 jogos por época) varia entre os 55€ e os 100€, sem ter de pagar quotas de sócio porque o preço é igual para todos.

Nos dias que correm, ir ao futebol na Tailândia é uma experiência que tenho adorado. Tem talvez o mesmo ambiente que se vivia nos estádios portugueses há uns 20 anos atrás e não está (ainda) manchado por tudo aquilo que vamos vendo pela Europa fora, desde hooliganismo, maus exemplos de jogadores e treinadores, resultados combinados, etc.

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