quinta-feira, 5 de março de 2015

Tailândia: Budismo e folclore

A religião na Tailândia é vivida de forma fervorosa pela população, que recorrentemente se envolve em rituais não só nos diversos templos que pululam no país mas também nas suas casas, negócios ou nas ruas. Apesar de ser uma sociedade Budista, um passeio atento por Bangkok cedo revela a admiração por outras divindades religiosas e uma mescla teológica difícil de discernir ou interpretar. Tendo crenças tão diversas, o que realmente distingue a Tailândia é o seu rico folclore, que lhe confere uma identidade extremamente peculiar.

Ontem foi feriado na Tailândia, o Wan Makha Bucha, que celebra o dia de lua cheia em que Gautama Buddha, 10 meses depois de atingir o nirvana, é visitado na floresta por 1250 monges, sem que estes tenham sido convocados, e lhes entrega os princípios do Budismo. É um dia marcante da religião Budista e da sociedade Tailandesa, celebrado por muitos e uma das demonstrações da ligação do país a esta religião. Muito sucintamente, o Budismo é uma doutrina baseada nos ensinamentos de Siddhartha Gautama pelo Norte da Índia e actual Nepal, um príncipe que renunciou a sua herança para se tornar asceta ao ver a miséria do seu povo, e que tentou instaurar uma nova visão religiosa não violenta, que contrastava com os rituais do antigo Hinduísmo que vingava na região.

Na Tailândia, o Budismo é influenciado pelo Taoísmo trazido pelos imigrantes chineses que se sediaram no Norte e, principalmente pelo Hinduísmo trazido pelo Império Khmer que reinou na região desde o séc IX até ao séc. XIV. Após a queda do Império Khmer e apesar da adopção do Budismo como principal religião, os diferentes reinos que originaram a Tailândia nunca deixaram de ser influenciados pelos anteriores ensinamentos e histórias. Exemplo disso é o grande épico Tailandês Ramakhien, baseado na mitologia Hindu, e que conta a história do Rei Rama de Ayuthaya, um dos avatares de Vishnu (deus Hindu da preservação). O nome da antiga capital Ayuthaya tem origem neste épico e desde o séc XVIII até aos dias de hoje os reis Tailandeses assumem o cognome de Rama. Existe um mural fantástico em redor do Wat Phra Kaew, em Bangkok que conta esta mesma história e que é para mim o ex-libris do Grande Palácio.

Mural do Ramakhien em Bangkok - Autoria de AkaCorleone

Por toda a cidade de Bangkok é fácil encontrar imagens de Brahma (deus Hindu da criação) ou Ganesha (deus Hindu do Conhecimento) em altares erigidos em frente a vários edifícios, ou mesmo dentro de escritórios. Os templos são frequentemente "guardados" por proeminentes gigantes, os yak são figuras majestosas e coloridas importadas do Hinduísmo e que protegiam os reinos divinos e alguns dos mais importantes seguidores de Buddha, daí terem sido utilizados na arquitectura Tailandesa como guardiões de templos, como o Wat Phra Kaew ou o Wat Arun, mas também em construções recentes como o aeroporto de Suvarnabhumi, em Bangkok. Os yak são vistos pelos Tailandeses como generosos e românticos, e uma personagem importante de grandes obras literárias e dramatúrgicas, bem como de pequenas histórias e lendas do folclore local. Sem dúvida, um dos meus favoritos!

Yak pintado na Siam Square em Bangkok - Autoria de Kruella d'Enfer

Facilmente, o Budismo na Tailândia se misturou com as crenças locais, visto que acredita que os seres estão presos num ciclo contínuo de morte e renascimento (samsara) que pode acontecer em um dos 5 reinos (ou planos de existência): os humanos, os animais, os fantasmas (ou espíritos), os infernos, e as divindades. Assim, a crença em fantasmas (ou espíritos) é bastante popular entre os Tailandeses, e adaptada regularmente ao cinema, telenovelas ou animação. Os Tailandeses acreditam que a maioria dos fantasmas são benevolentes e que são mantidos nesse plano de existência devido ao seu comportamento numa vida passada, e que estão a tentar limpar o seu karma para poderem renascer em outro reino. Alguns destes espíritos são adorados e admirados pela população, devido à sua história, sendo um dos melhores exemplos o altar erigido a Mae Nak, uma mulher que morreu junto do seu filho durante o parto, enquanto o marido estava a ser tratado por graves ferimentos de guerra. 

Por toda a parte encontramos "casinhas de espíritos" em frente a lojas, hotéis ou condomínios, que servem para lhes dar abrigo para que não andem à deriva pelo reino dos humanos. Nestas casinhas, todas as manhãs são oferecidos comida, bebida, fruta e  incensos para apaziguar o fantasma que ali habita e para demonstrar respeito por esta entidade. Todas as residências têm no seu jardim uma destas casinhas, que normalmente são erigidas antes de iniciar qualquer construção, seja para habitação ou para fins comerciais.
Alguns comerciantes também costumam ter panos imprimidos com a imagem de Nang Kwak junto do altar, um espírito que traz boa sorte e prosperidade. Também os taxistas têm por vezes estas impressões de Nang Kwak nos tejadilhos do seu táxi, ou amuletos com a sua imagem à volta do pescoço.



Os taxistas, tuk-tuk e motorsai (taxi-mota) são dos mais supersticiosos na Tailândia e costumam ter autênticos altares no tablier, diversas imagens de divindades nos bancos da frente ou no tanque de combustível (no caso das motas), e amuletos com fartura ao pescoço ou em correntes em volta do corpo, que oferecem diversos tipos de protecção. Um dos mais comuns é o amuleto com uma bala dentro, que se diz proteger quem o usa na ocorrência de levar um tiro, mas existem muitos outros, com pequenas moedas, imagens de Buddha ou monges célebres, ou símbolos de fertilidade. Outra forma de protecção utilizada é através de tatuagens, a famosa Yantra, que se diz ter poderes mágicos que afugentam o mal, as doenças e a pobreza, e que até podem servir para atrair um novo amor. Estas tatuagens são impressionantes e existem rituais onde o mestre-tatuador tem uma máscara que lhe cobre toda a face (incluindo os olhos), enquanto grava as escrituras e os desenhos nas costas de alguém.



Acima de tudo, são estas tradições que tornam a cultura Tailandesa única. A abertura perante a possibilidade de misturar ritos e superstições com práticas religiosas é especial e aceite por todos os sectores da sociedade. Budistas queimam incensos em templos Taoístas, prestam homenagem a deuses Hindus e acreditam nos profetas cristãos e muçulmanos.

PS: As duas primeiras fotografias deste artigo são de obras de artistas portugueses que por aqui passaram na Tailândia e que tivemos a oportunidade de conhecer pessoalmente. Vão à procura das obras deles, porque vale muito a pena: obrigado AkaCorleone e Kruella d'Enfer.

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