quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Ser bonito não é fácil em lado nenhum

Todos os dias nos esforçamos para ter um determinado aspecto, que normalmente obedece a uma série de parâmetros definidos pela sociedade ou pelo grupo onde nos inserimos. E queiramos ou não, acabamos por nos "castigar" durante a nossa cruzada para parecermos bonitos, integrados ou aceites. Seja ao apertar o pescoço com uma gravata, furar a língua, arrancar os pêlos das pernas, abotoar umas calças apertadas, tatuar um braço, ou calçar umas sandálias de princesa, todos nós desde cedo somos vítimas da(s) moda(s) às quais adaptamos a nossa imagem. A Tailândia não é excepção, sendo que a regra por cá é quanto mais branco e com mais botox, melhor!

Se há estereótipos duvidosos que transcendem nacionalidades, como a magreza como sinal de beleza ou a barbinha feita como sinal de zelo, há outros que são absolutamente característicos de cada país (ou até localidade) e que dificilmente se encontram por outros lugares. Nascido em Santarém, cedo aprendi (ou não) que a camisinha da Sacoor, calça de ganga Levis e o belo do mocassin representavam a verdadeira identidade ribatejana e projectavam a imagem ideal do homem Scalabitano. Se a isso acrescentássemos uma mota (uma DT, ou uma XT ou até uma Target), então quase que passávamos a ser parte de uma espécie de realeza adolescente, com mais buço na beiça do que neurónios no cérebro. 

Pela Tailândia há um culto de imagem que em muita coisa se assemelha ao que vemos hoje por Portugal, no entanto existem características que são absolutamente únicas de quem por cá vive. Há dois hábitos que considero excepcionais no ideal de beleza Tailandês e aos quais hoje dedico este espaço: ter uma pele branca e recorrer a tratamentos estéticos regularmente, nomeadamente o uso de botox.

O tom de pele natural do Tailandês é por norma bronzeado (uns mais, outros menos), devido ao calor abrasador que por cá se sente e aos dias de sol constantes ao longo de meses a fio, apenas interrompidos pelos 4 a 5 meses que dura a estação das chuvas. Mas quem espera fazer furor nos shoppings da moda ostentando uma pele carbonizada por 2 semanas de papo para o ar em Phuket, desengane-se! Na Tailândia reina o branco! Quanto mais pálido o tom exibido, mais atraentes e próximos do ideal de beleza estaremos.



Assim, os Tailandeses tendem a refugiar-se do sol como vampiros, preferindo o aconchego do lar ou socializar num dos milhares de Starbucks (e outras cadeias de café) que por cá existem. Na praia, é habitual vê-los completamente vestidos, escondidos debaixo de sombras de palmeira ou chapéus de sol. Nunca deitados numa toalha a secar e raramente se banhando no mar (e muitas vezes com toda a indumentaria que trazem vestida), sendo as crianças as mais afoitas. Arranjar um protector solar com menos de factor 30 é tarefa hercúlea.

No entanto, só isto não é suficiente para tornar um Tailandês branquinho e é aí que entra a indústria cosmética em grande força. Nos supermercados Portugueses estava habituado a ver o termo "branqueador" em pastas de dentes ou detergente para a roupa, mas na Tailândia todos os produtos para usar na pele são branqueadores. Gel de banho branqueador, loção branqueadora, desodorizante branqueador, creme hidratante branqueador ou até gel de cabelo branqueador (não vá o escalpe revelar as nossas verdadeiras cores). É mais fácil encontrar um produto ultra, super ou mega branqueador do que algum que não o seja de todo. Um outro fenómeno consequente são as prateleiras infindáveis de pó talco nos supermercados, com dezenas de marcas e fragrâncias: uma fantástica panóplia de escolhas adequadas à pele de cada um e ao efeito desejado (refrescante, protector de calor, anti-alérgico, etc). Não é de estranhar então encontrarem-se transeuntes com a cara branca que nem cal.


O outro hábito recorrente é o uso regular de tratamentos estéticos com vista a enaltecer a beleza ou de alguma maneira prolongar um aspecto jovial. Todos nós conhecemos casos extremos da utilização destes procedimentos e quão ridículas estas pessoas podem vir a ficar após largos anos de uso (e abuso) de cirurgias, aspirações e injecções. Na Tailândia, o uso de tais procedimentos tornou-se de certa maneira banal e deveras acessível a todos os tipos de carteira, dependendo se é feito num grande hospital privado, numa clínica extremamente conceituada, num spa ou no cabeleireiro lá da rua (já lá vamos!).

A primeira coisa que notamos ao visitar um qualquer centro comercial de Bangkok, é que há pisos inteiros com lojas, clínicas e spas dedicados à estética e onde as pessoas fazem tratamentos habituais. A oferta é absurda e só se justifica quando há uma procura sustentada e frequente, e nisso os Tailandeses não defraudam e o negócio da estética está bem de saúde e recomenda-se. Mulheres e homens visitam estas clínicas com o objectivo de manter uma aparência jovem e fazem-no à vista, sem pudor e abraçam-no como algo já parte do seu quotidiano, como quem vai ao ginásio 3 vezes por semana ou andar de bicicleta ao Domingo.

No meu escritório também comecei a perceber que muitos dos meus colegas já tinham passado por estes tratamentos, principalmente os que já passaram a barreira dos 30 (ou 40). Sabem aquele tipo de pergunta "Notas alguma coisa diferente?" de quem foi cortar o cabelo ou arranjou as sobrancelhas? Pois por cá fazem-no depois da injecção de botox ou da terapia de choques eléctricos... Outros comentários frequentes são "hoje não posso beber álcool porque fui levar botox e o meu médico disse para eu evitar" ou "vou aproveitar que posso sair mais cedo e vou ali à clínica" como quem aproveita para passar no supermercado para comprar maçãs porque já não tem fruta em casa. O topo (para quem tem dinheiro) é poder ir numa das célebres viagens à Coreia do Sul passar 2 ou 3 semanas de férias e levar uma recauchutagem completa.


Ora, estes tratamentos aparentemente são mais baratos por aqui do que na Europa, mas no entanto não deixam de custar uma nota jeitosa. Histórias aparecem pelos jornais sobre problemas de saúde graves originados em tratamentos feitos em instalações clandestinas por aqueles que não resistem às pressões da sociedade mas que ao mesmo tempo não têm dinheiro para ir às melhores clínicas e hospitais privados. Os instrumentos são aparentemente de acesso fácil, enquanto os produtos usados podem ser comprados no mercado negro a um preço mais baixo (não são só as camisolas do Real Madrid ou malas da Channel). No fim de semana passado, a situação rocambolesca que assisti vem dar razão às histórias dos jornais e corroborar o desespero que afecta algumas destas pessoas.

Perto do condomínio onde vivo, existe um pequeno espaço comercial onde normalmente vou com a família para tomar café, e que também tem um mini-mercado, um cabeleireiro, uma farmácia, um salão de massagens e um posto de câmbio. No passado Sábado fui lá para cortar o cabelo, entrei e sentei-me numa das cadeiras, junto a uma senhora com os seus 50 anos, de toalha ao pescoço e que por lá aguardava que alguém a viesse assistir. Poucos minutos volvidos, entra no salão o vizinho farmacêutico munido de uma maleta e que se aproxima da tal senhora, cumprimentando alegremente as funcionárias que ali se entretinham a cortar-me o cabelo e a tratar das unhas a outras duas senhoras que por lá estavam. O senhor farmacêutico recostou a cadeira da senhora até esta ficar deitada, passando de seguida a colocar umas luvas de borracha e uma máscara na cara. Por esta altura a cabeleireira roda a minha cadeira, deixando-me de frente para a cena onde o farmacêutico, ao abrir a maleta, começa a tirar compressas e outros materiais que não consigo discernir. No meio do meu parco conhecimento de língua Tailandesa, ouço alguém no salão a perguntar o que está a acontecer, ao qual as cabeleireiras respondem algo imperceptível excepto uma palavra: botox. Neste momento já o farmacêutico esfregava um saco de gelo na face da senhora e logo de seguida injecta na sua cara um qualquer líquido, passando uma compressa para rematar. Levanta a cadeira da senhora para ela ver no espelho a qualidade do trabalho e depois roda-a para exibir o seu artifício às funcionárias e clientes do salão.
Eu estava completamente lívido a ver tal abominação, com os olhos esbugalhados e a boca aberta, sem conseguir desviar o olhar de maneira nenhuma... No background ouvia sons de palmas e "suay!" (lindo, em Tailandês) e só pensava para mim como pode uma senhora que tem metade da cara caída, de quem já passou por 50 anos de vida, e a outra metade como alguém que acabou de levar um bilhete do Mike Tyson, estar linda... Enfim, esta encarnação de Harvey Dent lá se recostou na cadeira, feliz da vida e preparada para o segundo round de injecções.

Várias coisas me passaram pela cabeça enquanto me dirigia ao balcão para pagar, mas principalmente o que leva as pessoas a passarem por isto? Principalmente quando se torna algo tão corriqueiro como é na Tailândia, em que ninguém julga ou é julgado por o fazer? Será que são julgados por não o fazer? Há uns meses atrás um jornal comentava que desde que a Tailândia abraçou este ideal de beleza, nunca mais tiveram nenhuma concorrente a Miss Universo a passar às 15 finalistas, e que deviam apostar na beleza mais tradicional da Tailândia. Mas ao mesmo tempo enalteciam a última vencedora Tailandesa (em 1965), que aos 67 anos tem este aspecto:



O que é certo é que o ideal de beleza é muito diferente de um país para o outro ou de uma geração para outra, mas a sua busca é igual em todo lado e transversal a qualquer idade. Somos todos fashion victims e ansiamos por descobrir a Fonte da Juventude.

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