segunda-feira, 2 de junho de 2014

Quem manda aqui sou eu: a nova Junta militar da Tailândia

Passou a primeira semana de ressaca do golpe militar de 22 de Maio na Tailândia, com o quotidiano a mudar muito pouco em relação ao que se vivia nos últimos meses. As ruas estão calmas, sem presença do Exército, e as pessoas continuam o seu dia-a-dia, levando as crianças à escola, dirigindo-se para o trabalho, almoçando na rua ou fazendo jogging no jardim.

Entretanto, a nova Junta militar continua o seu atropelo democrático através do intensificar da censura e da limitação à liberdade de expressão. Após acordarem com o Exército em como não iriam transmitir notícias capazes de instigar violencia e desordem, as televisões tailandesas foram desbloqueadas na Sexta-feira à noite, seguiram-se os canais estrangeiros especializados em séries, filmes, documentários e desporto. Quanto aos canais de notícias internacionais, ainda hoje se encontram bloqueados, e não há prognóstico de quando serão restabelecidos, ou se simplesmente deixarão de fazer parte da grelha de canais da televisão por cabo. Isto porque os farangs (estrangeiros) não conhecem a história da Tailândia e não entendem a necessidade do Golpe militar, por isso emitem notícias hiperbolizadas sobre o que se passa no Reino.

Na generalidade, a opinião da comunidade internacional relativamente ao que se passa na Tailândia é bastante negativa. Os paladinos da Democracia (EUA, União Europeia, ONU)  não entendem como se podem negar liberdades básicas à população, conquistadas há anos por uma das nações pioneiras do processo democrático na Ásia. O facto de em Singapura ser proibido manifestações de teor político ou da sharia estar em vigor no Brunei, não está na ordem do dia, porque o dinheiro ganho pela família real do pequeno sultanato na venda de petróleo é "torrado" em Ferraris e diamantes Cartier em vez de desenvolver o país, e a pequena ilha mantém-se como um paraíso fiscal ideal para as grandes empresas canalizarem o dinheiro das negociatas obscuras feitas em países da ASEAN com controlo menos apertado sobre o investimento estrangeiro.

Acho bem que se condene o golpe, mas há que manter um discurso coerente perante o conceito de Democracia, e na Ásia esse discurso sai sempre ao sabor do vento e altamente dependente das relações bilaterais existentes entre países.




Durante o fim-de-semana surgiram os primeiros focos de protesto e apoio ao golpe. Distanciados por vários quilómetros de modo a evitar conflito, ambos os grupos se apresentaram como uma sombra daquilo que se passou em meses anteriores e para isso muito contribuíram todas as detenções efectuadas pelo Exército nos momentos que se sucederam ao golpe. Com os líderes dos movimentos encarcerados, a população perdeu capacidade organizativa, para além de que a reacção dos militares a um grupo grande de manifestantes poderia ser muito mais violenta. Não houve derramamento de sangue, mas no movimento anti-golpe as detenções sucederam-se de cada vez que alguém se dirigia directamente aos soldados ou se aproximava demasiado. Do outro lado da cidade cantava-se vitória e ofereciam-se flores aos magalas que tinham aparecido para controlar a situação.




Segunda-feira foi um dia importante, pois foi anunciado pelo General Prayuth que o Rei o emposava/reconhecia como líder do Conselho Nacional para a Paz e Ordem (NCPO). Durante a conferência de imprensa que se seguiu, o General foi confrontado com algumas perguntas desconfortáveis, como "quando será marcada a data das novas eleições?". Os dois jornalistas mais mal-comportados viram as suas licenças retiradas e foram detidos na manhã seguinte. Há uns dias atrás tinha publicado um artigo escrito por um jornalista tailandês de um dos jornais de lígua inglesa daqui, em que criticava abertamente a intervenção militar. Também ele foi detido pelo teor dos seu comentários. Durante a semana as detenções foram se sucedendo, maioritariamente a quem se expressava publicamente contra a Junta militar ou desrespeitava a censura imposta nos meios de comunicação social. Quanto aos políticos detidos no dia do golpe, estes foram sendo libertados entre Terça e Quarta-feira, sem fazerem qualquer tipo de comentário sobre o sucedido.

Esta semana, o antigo Ministro da Educacão, que andava a monte, decidiu dar uma entrevista às estacões de televisão internacionais. Perante inúmeras camaras comentou a situacão política do país, enumerou alternativas que poderiam ter sido tomadas em lugar do golpe militar e criticou abertamente a forma como a nova Junta militar tem agido desde que tomou o poder. O resultado acabou por ser a invasão por parte do Exército do local onde estava a ser dada a entrevista, interrompendo-a para capturar o ex-Ministro, na frente de todos os media estrangeiros. Isto só demonstra que a Junta militar pouco se importa com a posicão ou opinião pública internacional e que irá continuar a agir como tem feito até hoje.


Esta caça aos opositores do golpe tem se intensificado nos últimos dias, com a Junta militar a estabelecer contactos com o Facebook e o Google para bloquear algumas contas onde sejam publicadas opiniões negativas. Na passada Quarta-feira, o Facebook e o Instagram estiveram indisponíveis durante 30 minutos, o que causou uma explosão de indignação pelo Twitter maior do que a do dia do golpe! Logo surgiram rumores de que o NCPO tinha feito uma demonstração de força ao Sr Zuckerberg para o caso de as suas "propostas" não serem aceites. O que é certo é que o Facebook continua operacional, mas diversas contas de utilizadores tailandeses com background político foram bloqueadas ou simplesmente eliminadas. Parece que a perspectiva de perder quase 40 milhões de utilizadores extremamente activos, levou-os a fazer cedências ao General Prayuth. 



Durante os últimos dias assistiu-se também à mobilização de soldados, polícia e diversos meios do Exército para o Victory Monument, onde se têm instalado os protestos anti-golpe do início da semana. Era evidente que se estavam a preparar para o confronto, sendo que foram destacados centenas de soldados, veículos com canhões de água, corpo de intervenção e imensas carrinhas para levar prisioneiros. As redes sociais acabaram por alertar os manifestantes, que optaram por cancelar o encontro naquele local, dirigindo-se para outros lugares da cidade. Intensificam-se as demonstrações de desagrado com grupos de dezenas de pessoas a lerem "1984" de George Orwell no mesmo local ou fazendo a saudação com 3 dedos, do Hunger Games. Entre as diversas detenções desta semana, destacam-se a de um farang que se atravessou na frente de uma coluna de soldados de mãos nos bolsos, com uma t-shirt dizendo "Peace Please", ou de uma senhora com os seus 50 ou 60 anos a ser empurrada por um polícia à paisana para dentro de um taxi, por ter feito uma saudação de 3 dedos a um grupo de militares.

A Junta militar está para ficar e anunciou que possíveis eleições só para os finais de 2015 (ou mais tarde ainda... quem sabe). A nova estrutura governativa da Tailândia é composta em grande parte por militares no activo e reformados, alguns deles já com alguma experiência em anteriores ministérios. Uma posição forte, de quem quer gerir os destinos do país por tempo indeterminado...

 


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